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A mão que nos segura e o brinquedo que nos diverte

Eu estava num ônibus coletivo e a descida era pela parte traseira. Fiquei na cadeira do meio e dava para ver todos que desceriam. Quando chegou num determinado ponto de ônibus, entre todos que estavam descendo, havia uma família. O pai levando as bolsas, a mãe segurando um bebê de colo e com a outra mão segurando uma menina de uns sete anos. O pai desceu e a mãe foi seguindo, quando um ursinho de pelúcia no formato de mochila enganchou a alça no braço de uma das poltronas do ônibus. A menina soltou o braço da mãe e ficou visível no rosto dela o desespero, tanto pelo medo de perder o brinquedo, quanto pelo medo de perder a mão da mãe que a protegia. Ela não tinha força para puxar e quebrar a alça da mochila.

Aflita, a mãe sentiu que ela tinha ficado para trás e ficou na porta do ônibus agoniada com a cena até que pedimos para que o motorista esperasse. E então alguém ajudou a criança a descer com seu precioso ursinho e também segura pela mão materna.

Aquela cena ficou em minha mente e pensei sobre ela a tarde inteira.

Por orientação divina, no final do dia, entendi que, muitas vezes, tal como aquela criança que se enroscou pela sua pouca habilidade, somos instados a escolher entre o brinquedo que nos diverte e a mão que nos protege.

Quantas vezes corremos o risco de perder uma amizade, um amor, um vínculo familiar, um respeito, uma experiência com o sagrado, uma oportunidade de ajudar, porque estamos preocupados com o brinquedo que ficou pra trás? Estamos olhando para algo que nos diverte (o que não é ruim em si mesmo).

Mas será que temos consciência de que estamos optando ou estamos sendo levados somente pelos sentimentos infantis do momento?

Claro que muitas vezes as alças e as inseguranças próprias da infância estão exatamente no grupo familiar, nas amizades, numa proposta religiosa (seja qual for a religião), ou até no simples prazer pelo prazer, mas é aí que precisamos estar conscientes sobre o que cada coisa significa no momento de vida que passamos.

O SEGREDO É AGIR COM CONSCIÊNCIA.

Tem sempre alguém, algum enviado ou enviada pela divina providência, que pode nos ajudar a nos desvencilhar (e muitas vezes somos nós os anjos de Deus pra ajudar e proporcionar a segurança divina ), mas temos que ter consciência da ação e da escolha que fazemos, pois às vezes o que nos amarra e nos atrasa do passo a passo divino que nos sustenta é simplesmente um capricho do ego.

Com o nosso olhar de adultos, tenho certeza de que pensamos que seria muito mais fácil deixar o brinquedo e seguir com o pai e a mãe (Deus/Deusa). Mas essa lógica não se aplica a alguém imaturo, que ainda não tem consciência de que o brinquedo vai estragar um dia, que pode ser adquirido em outra oportunidade e até que vamos crescer e chegará um momento em que ele não fará mais sentido para nós.

Seria fácil recuperar a mão que nos sustenta?

Temos que estar prontos para segurar fortemente na mão divina e saber que ela, em todas as suas formas de manifestações e em todas as circunstâncias, é capaz de nos segurar, nos guiar com segurança e até de prover futuros prazeres e diversões seguras e conscientes à medida que crescemos. Pois a diversão, em si mesma, não é má. A não ser que seja cheia de alças que podem enganchar e nos atrasar no caminho, colocando em risco nossa relação com o divino.Aquela criança convive muito bem com o brinquedo e com a proteção da mãe. Uma coisa necessariamente não exclui a outra. O problema é quando algo nos limita (engancha, nos atrasa, nos põe em situação de escolha etc.) em nossa caminhada de crescimento.

Temos que saber se preferimos a mão divina, ou se, muitas vezes por nossa imaturidade, preferimos algo que somente nos divirta, nos dá prazer e só, mesmo sendo efêmero. É uma questão de escolha. É uma questão de consciência. É uma questão de maturidade e momento que cada um vive. Portanto, toda essa história, independente de qualquer situação, deve ser vista sem culpas pelas escolhas feitas em momentos próprios e em contexto adverso.

Mesmo sabendo que teremos consequências em nossa escolhas, sejam quais forem, temos que ser sábios para saber que no momento em que escolhemos algo, poderíamos não ter sido capazes de fazer diferente. De fazer outra escolha. A culpa não é boa conselheira. Mas a mão divina, independente do caminho que tomamos, está parada, esperando que retomemos o nosso caminhar e novamente disponibilizemos a nossa para ser segurada. Com ou sem o brinquedo.

Então é isso. É apenas uma meditação para as tardes quentes de Brasília.

(*) Tata Ngunz'tala é téologo, pedagogo e sacerdote de Candomblé. 61­ 8124.0946

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