Lendo o texto contido no link http://www.aids.gov.br/noticia/2014/zerar-transmissao-da-aids-ate-2030-sonho-ou-realidade , podemos ver que a palavra prevenção salta aos olhos e acima de tudo a possibilidade de aplicação da Profilaxia Pré Exposição – PREP, que, no primeiro olhar não seria ruim, embora coloque subliminarmente e preconceituosamente que homens que fazem sexo com outros homens (HSH) e alguns outros grupos historicamente negativados, são os responsáveis pela propagação da AIDS. O sofrimentos por parte destes grupos também é histórico.
Outras implicações também veem à tona dentre elas, o controle do mercado farmacológico e a busca incessante de lucros que uma profilaxia como esta geraria. Mas também não podemos deixar de discutir os efeitos colaterais que possam aparecer, além de uma possível resistência biológica ao princípio usado.
São muitas indagações, mas a prevenção, sem cunho moralista ou religioso, é o grande lance e isto inclui o uso de preservativo em todas as relações sexuais (incluindo sexo oral e brincadeiras, etc), afinal este uso não previne somente do HIV, mas também de outras doenças sexualmente transmissíveis, algumas com poder de infecção e virulência maior do que o HIV, como as hepatites B e C, por exemplo.
Agora algo que não se discute são os números. Eles são reais e mais difíceis de serem manipulados e mostram a diferença nos índices de contaminação entre a população em geral e os HSH (Homens que fazem Sexo com outros Homens). A diferença é muito grande.
E nós, do candomblé, como vemos esta situação?
É sabido que em muitas casas de candomblé existem pessoas com HIV/AIDS, e em alguns casos os números revelam eo u corroboram com os dados atuais de infecção. Assim como estima-se que em outras religiões também o tenham. O que difere no Candomblé é que a relação com o sagrado gera um convívio mais familiar e cada casa e ou grupo se propõe a ser uma família e portanto pode proporcionar uma situação mais confortável independente da orientação sexual ou da situação sorológica da pessoa.
Na minha prática como sacerdote da nossa Nzo dia Nzambi (casa de culto no candomblé de Angola) buscamos viver de maneira que o Candomblé seja uma proposta de vida que não tenha ingerência na particularidade e no modo de ser das pessoas nas suas intimidades nem em suas individualidades.
Temos conceitos formados e em formação sobre todas as questões contemporâneas, tais como: aborto, vida e estilo de vida sexual, pena de morte, diversidade familiar, diversidade de orientações sexuais dentre outros e que sempre primam pelo respeito à vida. Para nós a vida passa pelas individualidades, portanto conceitos universais que se relativizam quando entram no campo da individualidade, pois é a escolha e o jeito de viver e de se colocar no mundo de cada ser. Isto também é uma questão contemporânea que precisa ser respeitada, e agora mais do que nunca haja vista que estamos vivendo diante da possibilidade de retrocesso de direitos humanos conquistados a duras penas e pela luta de muitas gerações. Esses direitos são ameaçados por orientações religiosas que querem se universalizar sem respeitar as individualidades e a diversidade.
O que eu sinto e vejo e portanto é minha concepção e orientação religiosa, é que o Candomblé deve ser uma proposta de vida social, religiosa que não viole o direito do indivíduo e não se proponha a julgá-lo sobre suas escolhas e nem sobre os acontecimentos de sua vida. Que o veja como um ser pleno de direitos e de reconhecimento sagrado independente da sua situação sanitária ou sexual e acolha este ser sendo esta uma das possíveis explicações,além da própria vivencia espiritual, de que pessoas que pertencem a grupos discriminados historicamente se concentrem nas suas hostes, para viverem realizados sem culpa e sem medo da visão de sagrado apregoada como única e verdadeira, mas que na verdade é excludente e condenatória.
Atribuo esta concentração ao acolhimento proposto e vivido pelo candomblé, com muitas barreiras ainda a quebrar inclusive em nossa Nzo, Embora também acho que não devemos dar explicações para quem nos julga preconceituosamente ou para quem quer negativar nossa maneira de viver e de ver o mundo.
Claro que o conceito de saúde que desenvolvo e concebo no Candomblé é o ser pleno. Existem pessoas adoecidas fisicamente e mentalmente, mas que vivem e gozam de saúde, porque são plenas. Existem pessoas sãs física e mentalmente que são adoecidas por não se sentirem, não serem e nem viverem plenas. A fé pode, inclusive ser um fator de adoecimento. Sentir algo, ser algo e se identificar com algo que é da sua natureza e saber que não é uma escolha mas que sua fé diz que é negativo, que é pecado (conceito cristão pois no candomblé não temos esta visão) e que vai te condenar eternamente (outro conceito que o candomblé não desposa), é um jeito de viver adoecido e em desequilíbrio.
Mas voltando à questão da prevenção ao HIV, penso que as casas de candomblés e umbanda devem ser espaço para esta discussão sim. Com certeza, a grande maioria das nossas casas/nzo/ilê/abassá/kwe/egbè/caban/tenda, etc, contam com pessoas que são soropositivas para HIV, ou que são portadoras de DSTs ou qualquer outra enfermidade infecciosa. Estendo, com certeza este pensamento para todas as igrejas/congregações/salões/templos/capelas/monastérios/mesquitas/sinagogas, etc., porque são feitas de gente e gente é o que é, independente do que acredita e da religião que professa, e tem vida sexual ativa estão aberta a conversões, etc.
Embora admitamos que nossos ritos e conhecimentos tradicionais possam sim ser instrumentos de cura física, eles são muito mais instrumentos de cura psicoespiritual ou seja, o indivíduo em equilíbrio consigo, com o sagrado e com a natureza independente de ser portador de uma infecção ou do modo como a adquiriu. Não podemos esquecer que o agente infectante é vivo, faz parte da biodiversidade do planeta (aqui sem conceitos e sem preocupações com o olhar da ciência biológica acadêmica), e talvez o desafio não seja exterminá-los, mas vivermos em equilíbrio com eles.
De qualquer modo a prevenção é um desafio que bate em nossa porta. Nos preocupar com o ser com um todo que viva em equilíbrio social, espiritual, físico e mental deve ser o que nos norteia. Entendo que as casas de Candomblé e Umbanda devem falar com seus membros sobre isto e sobre a responsabilidade que tem com seus corpos enquanto estão neles, seja na prevenção, seja na profilaxia, seja no tratamento, seja no cuidado, e assim, quebrarmos inclusive os preconceitos e as ações excludentes que a falta de conhecimento gera.
Conviver com soropositivos para HIV é uma realidade e deve ser tranquila e não mais nem menos amorosa como a que deve ser conviver com todos os seres. Não é porque uma pessoa se infectou (ou foi infectada) com o HIV que ela se transformou no próprio HIV.
Acho que já falei demais... Vamos pensando? Vamos interagindo? Vamos nos amando, nos prevenindo e nos cuidando independente da situação sorológica para qualquer infecção?
Bom dia a Todos e Todas.