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A Sabedoria sob o ponto de vista das culturas religiosas de matriz africana e afrobrasileiras.


A Sabedoria não tem o mesmo significado de conhecimento, quando se relaciona com as visões religiosas. O conhecimento é tido como algo que pode ser adquirido de várias maneiras, inclusive ilegitimamente. Mas a sabedoria evoca vivência e legitimidade de identidade.

A sabedoria sob o ponto de vista do candomblé ou das religiões de matrizes africana e afro-brasileira orienta-se por uma visão de mundo segundo os antigos. Neste ponto de vista o passado se apresenta como uma referência. É por isso que devemos entender esta sabedoria como algo, que ao mesmo tempo em que se atualiza, tem suas raízes e fontes nas vivências, na fé, no jeito de ser e de viver dos antepassados.

Neste ponto de vista incluem-se todas as áreas da vida: a estética, a religião, a economia, a segurança alimentar, tudo se fundindo com a própria cosmogonia. É Por isso que no candomblé, não tem uma sabedoria única, nem conhecimentos limitados a uma só visão de mundo. O candomblé, em si mesmo, traz todo o poder sincrético e aglutinador dos antepassados africanos traficados e escravizados no Brasil. Contém em si referências de povos (alguns nem existem mais) na sua concepção étnica e cosmogônica. Traz palavras de línguas dentre elas algumas que não são mais faladas mas também de outras que permanecem vivas no entanto, já estão contaminadas com as interpretações e visões europeias e colonizadoras.

Assim, temos o Candomblé de Angola, que faz os seus ritos em kimbundo e kicongo, como línguas principais, com influências de várias outras e também de dialetos sendo alguns já extintos mas que são originárias dos povos bantu (centro – sul do continente africano). Consequentemente traz suas concepções sobre a divindade e suas manifestações (Nzambi Mpungu e Nkisis/Mukixi).

Temos também o candomblé de ketu, originário dos povos yorubá (hoje Nigéria e Níger), que mantém esta língua (muitas vezes como cristalizada no tempo, de quinhentos anos atrás) e cultua até hoje as divindades (Orixás) e os ritos destes povos.

Ainda temos o candomblé Jêje – de origem ewe-fom (antigo Daomé – Hoje Benin e Níger), que ainda cultua nestas línguas e trazem vivas as lembranças de seus Voduns e dos seus ritos.

Não podemos deixar de mencionar outras manifestações que mesclam várias destas referências ditas acima tais como o Xangô de Pernambuco, o Batuque do Sul, o Tambor de Mina do Maranhão e o Omolocô. Outras que com características mais brasileiras se veem sob a ética e égide cristãs, como a Umbanda, o Terecô, e a Jurema.

Então o conhecimento nos diz que temos vários cultos de matrizes africana e várias influências afro-euro-brasileiras que ajudaram a formar grupos com identidades diferenciadas. Ou seja, a sabedoria que a todos permeia deve ser encarada com o conhecimento próprio que cada uma destas vertentes tem de si mesmo e se propõe em preservar.

São estas sabedorias que não permitem que a história da escravização de africanos seja esquecida e nem se repita no Brasil, já que é fundamental para qualquer praticante destas religiões, hoje universalizadas e que alcançam todas as origens étnicas, que conheçam a história de seus antepassados e a mantenham viva em forma de cultura, de culto, de religião, de conhecimento e acima de tudo de sabedoria os seus legados.

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Daí vem a sabedoria e o valor da oralidade, que pode ser vista, neste prisma educacional como um processo educativo, que permite o conhecimento do passado, da construção da identidade e repassa os valores culturais, morais e religiosos de um determinado grupo. É nesse processo de conhecimento dos cultos de origem africana e afro-brasileiros que se oportuniza a sobrevivência no Brasil dos ritos, dogmas, liturgias, cosmogonias, teologias e culturas negras e assim se conheça também as sabedorias que são guardadas e preservadas para aqueles que passam pelos seus ritos iniciáticos. Para isso o postulante (Ndumbi, nos candomblés bantu e Abiã nos candomblés de Ketu e Jêje), precisa apreender a sabedoria constante nos mitos, lendas e conhecimentos repassados pelos mais velhos.

Neste contexto o mito não pode e nem deve ser encarado como algo não verdadeiro. É a sabedoria que nas sociedades arcaicas o “...designa uma história verdadeira, extremamente preciosa por seu caráter sagrado, exemplar e significativo” (Eliade, 1972)

A sabedoria está muito mais no mundo da oralidade do que no mundo do conhecimento positivado nas academias. É, pois nas sociedades orais que não apenas a função da memória é mais desenvolvida, mas também a ligação entre o homem e a Palavra é mais forte. Lá onde não existe a escrita, o homem está ligado à palavra que profere. Está comprometido com ela. Ele é a palavra, e a palavra encerra um testemunho daquilo que ele é. “A própria coesão da sociedade repousa no valor e no respeito pela palavra (...) Nas tradições africanas, a palavra falada se empossava, além de um valor moral fundamental, de uma caráter sagrado vinculado à origem divina e às forças ocultas nela depositadas. Agente mágico por excelência, grande vetor de “forças etéreas”, não era utilizada sem prudência". (HAMPATÉ BÂ, 1982)

“Em África quando morre um velho, enterra-se uma bibliotea” Hapatembà.

Sob a proteção do Embomdeiro, tenham todos um dia muito sábio.


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