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Deus é bom.

Um colega meu passou as últimas semanas cuidando de um amigo que estava muito doente no hospital, e tinha passado por uma cirurgia de alta complicação.

O amigo já estava no quarto se preparando para alta quando o seu quadro se agravou e teve que retornar para a UTI com um quadro infeccioso e necessitou passar por uma nova cirurgia.

O meu amigo, muito religioso, entrou em orações e ao mesmo tempo em situação de desespero diante da gravidade da enfermidade do seu amigo de longa data.

Orou, jejuou e avocou correntes de oração tendo ficado muito abalado e fragilizado emocionalmente.

Após três dias na UTI o seu amigo voltou para o quarto em franca recuperação ao que meu amigo me diz todo eufórico na sua fé: Deus é bom!

Aquelas palavras ficaram ecoando em minha mente por dias. Não que eu tivesse dúvida da bondade divina, mas fiquei pensando como a mente humana, finita e habitante do corpo e identificada com ele, com o registro somente no cérebro que foi gerado para esta existência e tem registro somente desta vivência, nos prega cada peça.

E se seu amigo tivesse deixado o corpo para trás, como se diz vulgarmente, morrido? Deus deixaria de ser bom? Faz diferença para o olhar eterno da consciência incriada se estamos na matéria ou fora dela?

Atribuir bondade ao sagrado em nome de algo que concordamos como bom ou de algo que pedimos ou que julgamos termos sido atendido é muito limitado. Nascer, viver, sofrer, gozar e morrer faz parte da trajetória dos seres que passam pela vida na forma, seja um animal, mineral ou um vegetal. Todos e todas estão sujeitos aos acontecimentos e intempéries próprias desta forma.

Este olhar limitado sobre a bondade do sagrado encontramos em todos os que professam uma fé.

Se eu perder o meu emprego, adoecer, perder o meu casamento, falir financeiramente, pode ser que Deus não seja bom? Vou atribuir os acontecimentos que não saíram como planejei a uma ação negativa e má que poderia alcançar a qualquer um, menos a mim, que cumpro com meus deveres religiosos e com meus preceitos de fé?

Claro que não.

É por essa fé inconsciente e cega que nascem muitos males, mesmo em nome da piedade.

É assim que quem não crê como eu creio sofre discriminação;

É assim que quem não é como eu julgo ser o modelo padrão de fé, sofre exclusão e violência;

É assim que em nome de Deus se destroem templos e locais de cultos de outras religiões;

É assim que se mata em nome de Deus...

E tudo isto baseado na bondade divina.

Então sugiro que tenhamos um olhar mais amplo e consciente sobre a bondade do sagrado independente dos acontecimentos que nos assolam e não façamos do nome de Deus uma bandeira para assegurar sua bondade somente quando estiver de acordo com o nosso sentir, com o nosso pensar que é finito e limitado.

Se e verdade que existe somente uma fonte criadora, mesmo que se manifeste diversamente, de onde teria vindo o que consideramos mal, ou menos bom?

O que conflitua aqui é o conceito de bondade. Para ser bom pra mim não pode permitir que eu viva nada que eu na minha ilusão considere ruim?

Esta dualidade ocidental é conflitante.

Sem pretensão nenhuma de julgar os atributos divinos de bons ou maus, ou lançá-los nesta eterna dualidade ilusória, os convoco para sermos bons nós mesmos, a partir do amor e fé sagrados que nos faça plenos, independente da dor e do prazer, e independente da fé que desposemos ou de não desposarmos fé alguma.

É bom vivermos plenos e consciente da divina presença que nos anima e nos acena para o pertencimento eterno, independente das dores, alegrias, prazeres, perdas e conquistas que esta dimensão pode nos proporcionar.


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