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Mutuê (Ntu – Muntu – ser)

No texto de hoje quero tratar de um viés mais religioso, com um referencial teológico do Candomblé de Angola, originários de povos bantu, especialmente falantes das línguas Kimbundo, Kikongo e Umbundu, provenientes principalmente das regiões atualmente conhecidas como Angola, Congos, Moçambique e Zâmbia, quando do comércio de escravizados para o Brasil colônia.


Como é um blog autoral, não significa que esta é a verdade, mas um olhar sobre a concepção afro-bantu-brasileira de um tema importante: o lugar do ser na cosmogonia do sagrado. Como o indivíduo é visto na sua relação com o todo. Outras visões e entendimentos existem, mas quero partilhar com vocês esta: A Mutuê (Ntu – Muntu – ser).


A Mutue (cabeça, NTU, ser) para nós, do candomblé em geral, é a mais importante individualização da divindade nesta dimensão humana.


No caso do candomblé de Angola, pelo menos em nossa família, este culto é feito na Mutuê da própria pessoa, pois significa que antes de vir para esta dimensão, antes de chegar ao iungo/ixi (terra) a individualidade, o ser, esteve perante Nzambi (transcendência real em todas as dimensões) e fez a escolha de todas as possibilidade do seu destino individual, ou seja saúde, riqueza, prosperidade e outros atributos por ele requisitado que tivessem importância na futura existência. A Mútue (cabeça) é conhecida como a mais antiga e poderosa divindade e se ela não estiver bem, nenhuma outra divindade vai conseguir agir. Mas com a chegada ao iungo/ixi (terra) ela se depara com várias dificuldades e uma Mutue rica, boa, próspera, e sadia pode se transformar em uma Mutue pobre, doente, e miserável, é por esse motivo que quando estamos em dificuldade, recorremos ao Pangu (rito) para a nossa Mutue e a ela oferecemos kúdia mba kúnua ngó kioso kiatokala (bebida e comida necessária), e com certeza muitas Mambu (rezas) com pedidos de ajuda para os nossos problemas, pois a cabeça ligada ao anjo guardião ancestral é possuidor de muitos remédios sendo ele o nosso maior defensor.


Infelizmente, quando estamos aqui neste lado da vida, esquecemos que o nosso o objetivo maior é nos realizarmos e realizar a vontade de Nzambi, e muitas vezes nos ligamos somente ao sensorial e esquecemos as verdades espirituais e ancestrais. Então o objetivo do rito também é "abrir" a mutuê, iluminá-la, despertá-la para a verdade universal.


Muitas vezes colocamos uma pessoa nestes ritos, para ver ser ela desperta e ver a luz. Às vezes é uma pessoa tão apagada para a espiritualidade, e com tanta dificuldade de adaptação e espiritualização e respeito ao contexto que nasceu que tentamos através destes ritos, despertar a mutuê, que nada mais é do que a verdadeira essência divina, a natureza divina de Nzambi, individualizada.


Quando procuramos um Nganga/Taata Kimbanda/Taata/Mama/Nengua ria Nkisi/Mukisi (Sacerdote ou Sacerdotisa do Candomblé de Angola), para sabermos de nossos problemas, é através do Mutue que o adivinho consegue saber a causa, e é a Mutuê destinado a solução do problema.


Por toda a vida, seja recém-nascido, moço ou velho, reverenciamos a Mutuê, que é a mais sábia de todas as divindades. Será que é por isso que dizemos, ou ouvimos os mais velhos dizerem: “Cada cabeça uma sentença”, “Sua cabeça é sua guia” ou “Essa pessoa tem cabeça boa”! ou "siga a sua cabeça”?


Uma coisa é certa, colocamos a Mutue no iungo (terra) para pedir coisas boas para o diulo (céu), como símbolo das dimensões espirituais onde perante Nzambi escolhemos nosso destino e é diante dele que o realizamos, e a mutuê em equilíbrio vive em paz com o céu e com a terra e com todo o universo, independente dos acontecimentos passageiros que a acomete.


Não podemos esquecer que este destino foi trazido e gerado por nós também, quando da nossa vinda para esta dimensão e que podemos, constantemente pela força da divindade que somos nós, alterá-lo, remodelá-lo, consertá-lo... Somos senhores/senhoras do nosso destino, nos concebendo como manifestação de Deus, e consciente de que colheremos o resultado de nossas ações e escolhas, como seres individualizados. Por isso o ritual da mutuê é importante, pois pode nos trazer a lembrança dos compromissos e projetos assumidos espiritualmente diante de Nzambi e dos nossos ancestrais, e nos trazer de volta ao caminho traçado, evitando assim falências na nossa existência atual.


Por isso o rito do "kibane mutuê”, ou makudiá mutuê é tão importante e é realizado antes mesmo do culto às divindades.


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