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POSTULADO Continuação.

O desafio agora era formar família.

Depois de muitos desafios sós, chegaram os primeiros Ndumbis! O ciclo se reiniciava, mas eu ainda assim tinha que lavar, limpar, cozinhar, cuidar de quem chegava, e cuidar da comunidade (que era um dos compromissos meus com a espiritualidade, pois eu sempre dizia que assumiria o sacerdócio mas que tivesse alguma influencia além do rito na vida das pessoas).

Os Ndumbis que vi chegar e partir e outros ficarem na casa de Tata Atirezim e fazer todo o sentido positivo, agora estava vendo acontecer na casa onde eu era o serviçal mor, na casa que era de minha responsabilidade. E eles e elas foram se achegando, trazidos por Nzambi e fizeram e fazem toda a diferença. Todos que agora são mais velhos em nossa casa um dia foram postulantes, seja na nossa casa ou em outras (no caso dos que já chegaram iniciados).

Chegou Simone, que hoje é Makota Kiluanji; chegou Luiz Carlos que hoje é Tata Lemba Nsuté; chegou Márcio Sanchez, que hoje é Mutawamê e pai pequeno da casa; chegou Mariana, que hoje é Sambamean; chegou Tiago que hoje é Nvulakenan; chegou Edna que hoje é Lembaremsimbi; Quase no início chegou Ndulangê, que hoje é mãe pequena da casa, e foram chegando Kuambela Nzazi (Mãe Clara) , Kawajinan (Elaine), Tata Hoxi Nkongo (Pai Jorge); chegou Paulo que hoje é Muene Nsaba; chegou Christiano que hoje é Muxilembá; chegou Andreia que hoje é Talamugongo; chegou Sandra que hoje é Ndandakitulu; Chegou David, que hoje é Kindele; Chegou Hamilton, que hoje é Nzaziwamê; chegou Rubens que hoje é Talamuenê; chegou Rafael que hoje é Nsumbomona; chegou Yndiara que hoje é Mbandaewamaze; chegou Alessandra que hoje é Kissimbimean; chegou Danielle que hoje é Makota Hoxi Mutaledi; chegou Perla que hoje é Makota Menha Talala; Chegou Denilson que hoje é Maviungu; chegou Marina que hoje é Nzazi Ngongo; chegou Aisha que hoje é Lembamueji; chegou Raphael que hoje é Luazi Luango; chegou Luis Carlos que hoje é Nkosi Lundi; Chegou Silvia Cristina que hoje é Sinavurucema; chegou Heverton que hoje é Tawaleguzu; chegou Helaine que hoje é Ndembwamoxi; chegou Welson que hoje é Ndelembá; chegou Paulo que hoje é Hoxiluandê; chegou bem pequenino Matheus Henrique que hoje é Cabilakuelê; chegou o Zeca que hoje é Tata Muxit'tawá; chegou Nathalia, também pequenina, que hoje é Makota Monayango; chegou Camila que hoje é Makota Maza Kybuku; chegou o Marcos Paulo, esse menorzinho ainda, que hoje é Tata Nangelembá; sem esquecer de Loudes Mona Nkosi; de Mam'etu Lembajinan, liderança do candomblé em Manaus e de Tata Taulesi também de Manaus e Mam'etu Avanlodê do Rio de Janeiro!

O que todas essas pessoas tem em comum comigo e com quem tem o Candomblé como referencial de fé?

Todas foram Ndumbis!

Todas limparam galinha, lavaram louças, lavaram roupa, limparam barracão continuam fazendo até hoje, mesmo tendo sido acrescentado o direito e dever de participar e cuidar e manter os ritos! Cada uma delas com histórias de vida diferente. Cada uma delas com sensações e sentimentos diferentes em relação a cada área e fase da vida.

Cada uma delas com um referencial de mundo diferente, personalidades diferentes, funções físicas e fisiológicas diferentes, mas todas unidas pela fé e pelo comprometimento com a tradição de fé que abraçaram! Quantas pessoas também passaram por nossa casa e foram cuidadas, cuidaram e seguiram seus caminhos, ou por motivos iniciáticos mesmos (como um dia deixei de ser abiã na casa de Mãe Judite), por situações logísticas da vida ou por falta de afinidade com as propostas da casa ou por choques de personalidades, ou porque estavam somente de passagem mesmo. E quando vejo os nossos ritos se desenvolverem tão harmoniosamente (embora choques existam no convívio, o que é natural), vejo que sem o corpo do postulado não seria tão perfeito assim! Os postulantes são a primeira razão de existir de uma casa de candomblé, porque os que hoje são iniciados, independente da idade de iniciação, foram um dia postulantes!

Quem é iniciado também já tem um escape. Tem sua divindade individualizada e personificada a quem recorrer. Já sabe se cuidar com um banho de folha. Já tem por quem gritar. O Ndumbi busca os iniciados e os mais velhos, seja para tirar uma dúvida, seja numa hora de necessidade, seja num momento de fragilidade. Pena que nem sempre sou capaz de dar em troca o que eles estão necessitando.

Nem sempre tenho sensibilidade ou disponibilidade para aliviar suas dores. Nem sempre tenho compreensão que eles sendo um elo muito importante na corrente, são os mais frágeis dentro da estrutura, e que mesmo com todos os seus defeitos devem ser olhados de maneira diferenciada.

O Ndumbi de hoje pode ser o grande/a grande sacerdote/sacerdotisa de amanhã.

Esta etapa não pode ser queimada, pulada. Viver plenamente este momento de postulado é o segredo para uma vida iniciática feliz, independente das circunstancias da vida.

Não queira ser iniciado “só para participar dos ritos internos”; “porque é bonito vestir santo na sala”; “para resolver um problema prático da vida” que cabe a você resolver; por que alguém falou que “tudo que está acontecendo é cobrança de Santo”; que quando fizer santo tudo se resolve na área do amor, da vida financeira, do relacionamento com a família, na vida profissional, que são áreas essencialmente da vida privada que cabe a cada indivíduo resolver e tomar as decisões. Claro que com uma consciência divina vibrando e nós afinadas com ela tudo fica mais fácil, mas a decisão e ação continua sendo nossa!

Não queira ser iniciado/iniciada se não for por amor, por fé, por regra de contrição, pelo encanto do chamado sagrado e pelo sentimento de pertencimento a essa fé, mesmo tendo que lavar muita louça, limpar muita galinha, lavar muita roupa, limpara casa, cozinha, barracão, fazer comida, preparar lanche, limpar banheiro.... pois isso todos e todas que usufruem da estrutura devem fazer, inclusive colaborar com a manutenção da casa de santo que é de todos/todas e para todos/todas!

Isso continua também sendo tarefa dos mais velhos!

Venha!

Sinta o mover do sagrado em você em busca de um caminho iniciático ancestral revelado talvez nos primeiros movimentos de fé da humanidade.

Mas venha inteiro. Se entregue. Não fique julgando o que o outro faz ou deixa de fazer; o que o outro coopera ou deixa de cooperar; como o outro manifesta ou não o sagrado; como cada um cumpre seu preceito. Cada um sabe de si e Nzambi sabe de todos/todas!

Não se sinta preso nem obrigado a nada, mas também não deixe os Koxikama (assentamentos, ibás, apetrechos sagrados) da divindade que foi individualizada por você e em você sem o devido cuidado, e você só “na vibração” de longe, como se nosso culto fosse feito telepaticamente.

Divindade, que na nossa tradição chamamos de Nkisi/Mukisi é movimento, é interação, é culto, é cuidado... tudo que fica parado a energia esvanece, ficando muitas vezes só a partes físicas sem nenhuma vibração transcendente já que não alimentastes.

Venha, mas se programe.

Se precisar abra mão de alguma coisa, de algum gasto para ajudar na manutenção da casa de Santo. Abra mão de momentos de prazer pelo culto, que é um prazer transcendente, pois prazeres podem ser vividos em outros momentos, mas cada culto é único. Quem viu, viu. Quem participou, participou. Quem sentiu, sentiu.... e isso é pessoal e intransferível!

Cuide, limpe, arrume, pois um dia vai ser sua vez de ser cuidado com tudo que isso significa. O mais velho quando deita a cabeça no chão, depender de todos e todas, inclusive dos Ndumbis para que sua obrigação seja bem-sucedida!

Não misture as relações pessoais com suas obrigações dentro do culto. Se hoje és um Ndumbi e um dia fores chamado para um cargo, exerça ele pelo seu chamado e por ter aceitado ele, sem fazer distinção. Afinal o seu chamado foi para servir ao sagrado, que inclui inclusive os filhos e filhas da casa e você, mas se não consegues ter uma harmonia com aquela pessoa, separe os sentimentos e sirva ao sagrado que lhe empoderou. Seu compromisso é com o sagrado. Aceitastes o cargo de livre e espontânea vontade. Saiba que o culto vai acontecer com ou sem você, mas o seu lugar que foi consagrado para você ninguém preenche. Mas o culto vai acontecer da melhor maneira possível e as pessoas podem até nem sentir falta de você, mas o sagrado sabe que você não está ali cumprindo o seu papel. Seu compromisso é transcendente. O seu ofício foi aceito por você quando aceitastes ser consagrado para o cargo que lhe foi confiado.

Se for chamado para ser uma muzenza, saiba que tem os preceitos que abraças quando aceitas e buscas a iniciação. Virão outras fases iniciáticas até alcançar a maioridade, então se programe em todos os sentidos. Se precisar abra mão de algumas coisas pelo seu compromisso com o sagrado.

Mas renunciando ou não a algo, faça isso com leveza e pela fé, nunca por obrigação ou porque se sente coagido. Ao sagrado se serve de maneira plena. Se achas que uma situação justifica a sua ausência em um rito sagrado, está justificado, mas não arrume desculpas para si mesmo. Se tem coisa que não conseguimos enganar é o ser divino que está entronizado em nossa mutuê (consciência divina, o trono de Deus)!

No mais, depois de tanto, só tenho a agradecer a todos e todas. Aos ex-ndumbis e aos atuais e futuros ndumbis.

Vocês são a certeza que a fé dos nossos ancestrais não morrerá! Vocês são a certeza de que os ritos sagrados ficarão mais leves para todos e todas, pois compartilhas muito do que precisa ser feito antes durante e depois.

Só tenho a lhe agradecer e pedir benção e abençoar-te sagrado ser que serve com paciência e humildade.

O bom sacerdote e a boa sacerdotisa foi um bom Ndumbi e um bom iniciado!

Obrigado por tudo!


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