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Nossas dores de cada dia

"Quando você está machucado as pessoas batem em você justamente onde está a ferida"

Esta frase embora seja de domínio público, é de Aline Peressim (uma conhecida e amiga) e quando li me gerou uma profunda meditação sobre a dor e o papel das outras pessoas neste processo doloroso.

De fato a sensação é essa mesmo: que uma parte machucada sempre é alvo da ação, seja proposital ou acidental de outras pessoas. E isto não é só fisicamente falando, mas também emocionalmente e/ou espiritualmente, gerando dor na alma oriunda de uma desilusão, uma esperança frustrada, um desamor, um insucesso, etc. A dor é inevitável nesta dimensão e na proposta de viver em uma forma física, mas o sofrimento esse sim é opcional.


Fiquei pensando que quando estamos feridos, a sensação que temos é que batemos ou nos batem repetidamente no local machucado.



Toda a atenção ligada ao sensorial, ao ego, a mente e o corpo se voltam para a área da vida que está mais sensível e tanto faz ser a dor como o prazer, neste jogo de ilusão de existir. Quando estamos apaixonados tudo nos lembra a pessoa amada. Se estamos separados da pessoa que amamos, tudo nos faz lembrar dela.


O sexo, a dor, a paixão, uma doença, um desapontamento, qualquer que seja a área mais sensível, tudo vai nos remeter a ela. Por isso a sensação que tudo só bate naquele local.

Lembrei-me da história de uma criança que foi levada ao médico por se queixar que todo local que ela tocava no corpo doía. O médico observou todo o corpo e tudo parecia são. Aparentemente sem nenhum ferimento. Mas a criança insistia em tocar no corpo e dizer ao médico que aquele local doía, então o médico muito intrigado continuou com uma análise mais acurada, e verificou que era o dedo da criança que estava machucado.


Então, pode ser que algumas pessoas tenham o prazer de colocar o dedo na ferida de alguém, por qualquer motivo que seja e sabemos que existem pessoas assim. Elas se autoafirmam pelo sofrimento e pela derrota das outras.


Mas fiquei me perguntando até que ponto não cabe a nós protegermos nossas feridas e curar os nossos doloridos? Tenho uma tendência de colocar o ser sempre como autor da sua história. Não sou muito de alimentar autopiedade ou dó.


Por que expor as minhas dores e feridas?


Estamos vivendo a era da exacerbação das chamadas “redes sociais”. Elas são uma grande conquista e avanço da tecnologia, mas, como todo avanço, infelizmente não chegam só coisas boas. Basta fazermos uma pequena pesquisa na rede mundial de computadores para percebermos o quanto as mesmas podem ser usadas para machucar, para violar direitos das pessoas. Coloco em destaque, por exemplo, o Facebook. Qualquer um de nós pode perceber em nossa “time line” que percebemos como ele tem se tornado o terapeuta/psicólogo pessoal de muitos.


Existem inúmeros estudos sobre este tema e muitos deles apontam o anonimato por trás da tela como motor para que se “diga o que quiser dizer”. Crimes são cometidos, vidas são expostas sem nenhum cuidado. Muitos ali dizem que estão amando ou desamando, jogam indiretas, se expõem, falam das suas carências, sonhos, desejos, frustrações e revoltas. Com tudo isto deixam suas vísceras expostas. É claro que todos tem o direito de fazer o uso que quiserem afinal são suas páginas pessoais, no entanto, penso que seja necessário meditar um pouco mais antes de se expor tanto nesses locais afinal, do outro lado da rede não temos nenhum controle. Nem todos e todas leem as publicações estão sensíveis e propícias a ajudar. Alguns até vão se sentir felizes em saber que estás sofrendo. E como é uma "rede social" as pessoas colocam comentários que querem e o pior, vibram como são capazes de vibrarem vão sentir o que são capazes de sentirem, pois é nessa sintonia que se encontram.


Mas isto foi só um aparte - risos. Voltando ao assunto da dor.


Quantas outras coisas acontecendo, mas a sensação e toda atenção seja física ou espiritual estão direcionadas para a dor. Assim como alguém que não nos tem amor ou nos é indiferente, um amigo ou uma pessoa que nos ama muito, sem querer pode bater ou ativar uma dor mal sarada, nós também podemos nos machucar continuamente. A sensação faz com que tenhamos a impressão que estamos batendo sempre onde dói.


Conheço pessoas que estão separadas do cônjuge há anos, mas até hoje todo o ritmo da vida é pautada neste sentimento. Ou ainda alguém que amamos fez a grande viagem deixando esta dimensão há muito tempo, mas ainda é o que nos move.


Um ódio que alimentamos é o que nos mantém vivos. Um desprezo que sofremos é o que nos incentiva a continuar com aquela ferida aberta. Uma doença que adquirimos ou desenvolvemos nos mantém mais ocupados do que a vivencia do que podemos fazer e usufruir mesmo convivendo com ela. Um plano que não conseguimos realizar. Uma perda de oportunidade que nunca nos perdoamos. E assim vamos mantendo as nossas feridas abertas.


Mas quem é responsável por sarar e/ou proteger o meu machucado sou eu mesmo. Sou eu quem devo tirar a atenção da ferida e focar na cura. Devo observar e sentir outras sensações que a vida oferece. Não devo ficar culpando ninguém pelas dores que sinto ou justificando as ações imaturas de outras pessoas para desculpar minhas revoltas muitas vezes injustificadas só para parecer que sou revolucionário. Qual ferida eu estou querendo esconder disfarçadamente sem me preocupar em curá-la?


Talvez reconhecer a nossa dor de maneira clara e inequívoca seja o primeiro passo para a cura, sem culpa e sem medo. Também não devemos ser motivo de dor muito menos nos alegrar pelo sofrimento de alguém. Se pudemos devemos ser a cura. Acredito que quem se cura pode mostrar o caminho para outros se curarem.

Assim foi a minha meditação.


Hoje eu meditei muito sobre isso e sei que as dores em qualquer dimensão sejam físicas, sejam espirituais ou emocionais, só a gente que sente. Até por isso muitos batem nas feridas abertas querendo ou sem querer, porque ninguém mais sente a nossa dor e a dor maior do mundo é aquela que estamos sentindo ainda que seja uma dor na unha.


"Nem parece que dói!" "Não sabia que estava doendo!" "Desculpe, foi sem querer!"

E ai se vão as justificativas.

Então ao invés de ficarmos nos expondo sempre à possibilidade de alguém magoar a nossa dor, sejamos nós a proteção e a cura das nossas feridas e nos vigiemos para não sermos quem vai magoar a ferida alheia.


Se não temos o bálsamo, pelo menos não sejamos o motivo da dor.

Tenham todos um bom fim de semana e até o próximo.

* com a colaboração de Mutawame Sanchez Tata Ngunz'tala 61- 8124.0946 - Vivo 61- 82955346 - TIM


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