top of page

Sobre Gênero e Sexualidade

Seguindo a promessa que fizemos no texto anterior de tratarmos de assuntos sobre as diversidades e questões como readequação de gênero, abaixo apresento um texto de Mutawamê, profissional competente, que com muita propriedade faz esta discussão em vários âmbitos sociais. Uma leitura que não pretende explicar nem justificar nada, mas trata-se de uma cosmosensação com propriedade sobre o assunto e com uma sensibilidade centrada no SER! Vamos ao texto!!!

Discutir gênero e sexualidade não é uma tarefa fácil numa sociedade como a Brasileira marcada pela violência e pelo desrespeito a toda pratica de vida que não esteja fincada em padrões históricos de dominação. A despeito de todos os avanços, nós ainda somos uma sociedade Patriarcal em pleno ano de 2016. Para compreender esta discussão. Alguns conceitos precisam ser apreendidos.


Por Patriarcado pode-se dizer de uma maneira simples como sendo um sistema de organização política, econômica, religiosa, social etc., fundado numa hierarquia na qual a maioria das posições superiores é ocupada por homens. O patriarcado é também responsável pela exclusão social das mulheres nas várias esferas da vida. Nesse sentido, não é de se estranhar que posições mais conservadoras ainda existentes em nossa sociedade e ou reinventadas se baseiam nessa relação. Estudiosos do tema de violência contra mulheres apontam essa forma de pensar e agir como razão para um número significativo de espancamentos, cárcere privado e mortes de mulheres e crianças.


Gênero por sua vez se refere à forma como os indivíduos se identificam, se determinam ou ainda numa linguagem mais simples, a maneira como ele ou ela se vê no mundo e por consequência como gostaria de ser visto também pelo outro.


Por orientação sexual se concebe a atração sexual, afetiva que sentimos por outros indivíduos. Percebam que aqui não se fala em ato sexual em si, mas na forma como a pessoa se relaciona afetivamente com outros ou outras pessoas que podem ser do mesmo ou de outro sexo (aqui para efeitos de compreensão se toma como referência e somente aqui, sexo como aquele atributo físico com o qual se fora identificado ao nascer).


Por identidades concebemos as principais características resultadas de todas as experiências vividas pelos seres humanos. É essa identidade que possibilita ao ser sua constituição como sujeito no mundo social A identidade de gênero supera, portanto o sexo biológico por assim dizer, e sua construção e percepção é individual, social, cultural e não um fenômeno biológico.


Para aqueles ou aquelas pessoas que tem sua identidade de gênero ou sua vivência compatíveis com o que lhe fora definido ao nascer é conhecido/a como CISgênero. O prefixo CIS é compreendido então como igualdade, compatibilidade. Já uma pessoa TRANSgênera é aquela que se identifica com o gênero diferente do registrado no seu nascimento. O prefixo Trans é compreendido como transitoriedade, como passagem de um lugar ao outro. As pessoas trans podem preferir serem tratadas no feminino ou no masculino ou, ainda, não se encaixar em nenhuma dessas definições (trans não binárias).


Uma lógica associada ao patriarcado se fundamenta numa divisão binária de gênero sustentada em oposição entre masculino x feminino, macho x fêmea, heterossexualidade x homossexualidade. Nesse ponto de vista, os seres humanos nasceriam dotados de determinações biológicas que os colocam como indivíduos do sexo masculino e ou feminino. E, portanto, o sexo seria definido biologicamente tendo em conta a genitália, os hormônios e por ai afora. Essa posição determinista há muito tempo tem sido contestada por vários estudiosos. É sabido que somente o sexo não é determinante da identidade de gênero, da orientação sexual de um ser humano.


No final dos anos 40 uma grande pensadora, a filósofa Simone de Beauvoir fez uma afirmação que até a presente data segue sendo importante para compreender a questão do gênero. Para ela ninguém nasce mulher, mas torna-se. Esta afirmação é extremamente importante para superarmos o pensamento determinista do século 19 que tinha por base a biologia para explicar as relações e por conta disso colocar a mulher em situação de inferioridade ao homem. A filósofa reafirma que “ser mulher é uma construção social e cultural”.


Já mais recente nos idos de 1990, outra filósofa, Judith Butler em seus estudos afirma que gênero não é algo fixo, rígido, mas que é uma produção social, construído ao longo das vivências humanas. Para ela é uma variável, fluida e pode apresentar diferentes configurações e que é experimentado de dentro pra fora e de fora pra dentro.


Concordando com as autoras acimas, caberia a nós nos perguntarmos. Mas e se eu não tivesse identificação com o meu corpo, ou ainda, se aquilo que eu vejo quando me olho não representa a imagem que tenho de mim mesmo, onde fico? Segundo o que nos ensina Butler, já que essa identidade é construída de uma maneira fluida, e por existir tantas quantas forem possíveis, o mais respeitoso é aceitar que essa não identificação leva pessoas a buscar adequarem seu físico a imagem que elas tem de si próprias, isto quer dizer, moldar seus corpos de acordo com o que mais lhe deixa feliz e não estamos falando somente em cirurgias, mas em alguns casos isto pode ser feito para permitir que a pessoa viva a plenitude de sua vida sem que seu aspecto externo a violente, a machuque. Não são raros os casos de pessoas que em razão dessa falta de identificação apresentem sérios problemas de ordem emocional, levando muitos e muitas ao suicídio.


Eis ai o cerne da compreensão do outro como ele é.


Eis ai nosso papel de respeitar ou buscar compreender o outro ou a outra o mais próximo possível daquilo que o faz feliz e do que ele/ela se reconhece. Não compete a mim definir o que o outro seja, não é de minha propriedade essa decisão. Ela é pessoal e intransferível. É a auteridade posta em prática, ver o outro o mais próximo daquilo que ele quer ser visto e concebido.


Alguns grupos de estudos sobre sexualidades, do qual estou inserido e tento participar, vem coletando diferentes pensamentos sobre o tema e, portanto sublinhando a sustentação das afirmações acima e podem ser achados na internet. Várias correntes de estudos que inclui psicologia, antropologia, sociologia concordam que a experiência sexual é produto de um conjunto de processos pessoais, sociais, culturais e históricos, e não de uma natureza humana imutável. Muito embora os indivíduos tenham ao seu dispor um sistema de referência, e perspectivas culturalmente construídas e valorizadas, as experiências são singulares.


Os estudos culturais também têm questionado a ideia de uma identidade natural ou una, assim como a concepção de um sujeito heterossexual ou homossexual opostos, que não sejam fluídos, marcados por inconstâncias, incoerências, mas, acima de tudo, situando essas identidades a partir de processos históricos e políticos. Quando desnaturalizamos a sexualidade e respeitamos os sentidos que cada pessoa dá às suas vivências, nós permitimos ao outro um lugar humanitário, não-patológico. Quando enquadramos tudo em duas ou três posições, violentamos os sujeitos.


A nossa sociedade força para que todos sejamos heterossexuais, mesmo que nem todos/todas se sintam ou sejam assim. Antes mesmo de nascermos já começam a nos imaginar como heterossexuais, através da escolha dos nossos nomes, nossas roupas, decoração do quarto do bebê etc e etc. Ninguém cria um filho para ele ser homossexual e nem aqui se está defendendo que as pessoas façam isso, mas todos criam as crianças para serem heterossexuais. É esse o padrão que não é questionado. Se a criança começa, por alguma razão, a não se comportar padronizadamente como uma pessoa heterossexual, dentro de todos os papéis preestabelecidos que cabem a uma mulher ou a um homem, muitas pessoas agem com violência verbal e/ou física. Ou seja, nós controlamos o tempo todas as pessoas para que elas se encaixem naquilo que é tido como aceitável.


Ser homem, mulher, gay, lésbica hoje não é mais como na década de 70 no Brasil. Existe uma diversidade de masculinidades, feminilidades, heterossexualidades, homossexualidades, bissexualidades, travestilidades, intersexualidades. Só não vê isso quem não quer ou usa apenas um modelo normativo para ler o mundo. Ser homossexual, heterossexual ou bissexual é uma identidade cultural que jamais pode ser resumida apenas nas experiências sexuais.


Quando falarmos de sexo, nem sempre o foco será sobre as práticas sexuais em si. Isso porque a sexualidade é muito mais do que a prática do sexo, mas inclui todas as diversas formas de sermos homens ou mulheres, masculinos ou femininos, ou qualquer outra forma que se possa apreciar. Quero com isso dizer que adotar posturas que enquadrem em binarismos oposicionistas é perpetuar histórias de violências, de desrespeito incompatíveis com a vivência da felicidade que tanto pregamos nos dias atuais. É seguir definindo o outro a partir de nossos conceitos. É não respeitar suas escolhas, ainda que discordemos ou não compreendamos.


Por último é preciso dizer que hoje enquanto finalizo essa conversa textual, seguramente pessoas vêm sendo violentadas ou assassinadas por simplesmente serem ou lutarem para serem o que são. Essa reflexão precisa ser levada para dentro de nós, para nossas casas. Temos de rever nossa forma de relacionar, de viver com os outros. Penso no rio que corre e leva a muitos o alimento necessário para a vida. Ali sem distinção e sem diferença a água que o compõem mata a sede, refresca, alimenta e dá nova vida. Que sejamos sempre mais cuidadores dos seres, sem enclausuramentos, sem usarmos Deus, Nzambi ou a Constituição para destruir e sim para sermos de fato alimento para a felicidade e como é dito na cultura do candomblé, CADA UM DÁ O QUE TEM. Que tenhamos amor, que tenhamos respeito, que tenhamos aconchego para dar ao outro ou outra sempre.


Mutawame Sanchez

Educador. Mestrando em Psicologia, Ativista de Direitos Humanos. Pai, Irmão, Filho. Mona Nquise de Mkongo Mbila.




bottom of page