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Molduras, sincronicidade e afeto.

A vida é mesmo cíclica. Isso renova em mim a vontade de viver e de superar os momentos de agora, pois só assim saberei e terei a possibilidade de usufruir os próximos, sejam nesta ou noutras dimensões.

Há 17 anos atrás ganhei uma tela grande de Zilá, uma amizade irmanada. Lembro-me que naquele momento fiquei muito feliz e empolgado com o presente. A época morava a trabalho em na cidade de São Paulo/SP. Guardei aquele belo presente e pensei, "não tenho onde colocar, um dia eu emolduro este quadro"

De fato até agora nunca tinha tido uma casa para chamar de minha. Sou assim mesmo desapegado. Moro em qualquer lugar (parece a letra da música "Pais e Filhos" do Renato Russo, 1992). Sempre dividindo com alguém, seja casa, kits, apartamentos, etc. Mas sou muito feliz.

O tempo passou e em agosto desse ano de 2017 - 17 anos depois, ganhei duas pequenas telas na técnica batik, trazidas de Moçambique pelo Tata Kibuku Mugongo.

Amei as telas!

Como agora moro em um barraco no cerrado, numa área irregular e poeirenta (ou lamacenta), mas me sinto em casa, e considerando que posso furar as paredes e pendurar o que eu quiser etc... Empolguei-me em emoldurá-las.

Neste momento veio à recordação a tela guardada e dobrada no baú das lembranças e fui vê-la. Ela me pareceu mais linda, pois é a prova de um amor e de uma amizade preservados com o tempo. E para minha surpresa, já que eu não lembrava dos detalhes, também é uma tela em batik moçambicano!

É a sincronicidade do tempo e do agir divino.

São telas de cores completamente diferentes, e motivos também, mas acho que se completam! Não faço ideia de onde Zilá tirou aquela tela moçambicana autêntica, assinada como "Biluku Mozambike" e datada de 1992.

As novas telas recebidas me fizeram pensar em quantos acontecimentos atravessei neste período que liga estes dois presentes:

- as telas tem a mesma origem geográfica;

-vieram por meios e formas diferentes, ambas movidas pelo amor e amizade;

- falam de situações e realidades que envolvem o meu viver de fé.

Só eu sei quantas vezes chorei e quis desistir neste espaço de tempo que envolve o recebimento destas telas.

Só eu sei quantas vezes ri e gozei.

Quantas dores, só eu sei.

Quantas despedidas, encontros e desencontros guardados em mim.

Viagens, recolhimentos, alegrias e tristezas que me fortaleceram na jornada.

Amparos amorosos e dores de desamor que normalizam a vida.

Ganhos e perdas em várias áreas da vida.

Sonhos e desilusões que me atingiram.

E por fim, em todas as áreas da vida vivi sabores e dissabores. Mas vivi!

Pensei na travessia do atlântico. Na distância que me une no sentir sagrado do Candomblé com o sentir dos povos africanos e neste particular, moçambicanos.

Pensei em mim e em você.

Pensei em quantas pessoas passaram ou ficaram na minha vida.

Quantos desistiram!?!

Quantos não tiveram a possibilidade de juntar acontecimentos tão distantes, e situações e vivências tão díspares, e fazer deles uma tela colorida para enfeitar uma parede empoeirada, mas que traz cor e lembranças boas e energias revigorantes para a vida!?!

Muitas vezes nem condenam esteticamente, mas unem peças e vivências de tempos passados e momentos vividos de uma mesma vida que se encaixam e isso é o mais importante.

Só juntei estes tempos e momentos porque não desisti. Estas cores alegrarão momentos que ainda virão, por isso continuo sem desistir. Enfim, fiquei pensando se em algum momento eu tivesse desistido, não conseguiria rememorar tantas coisas, não teria vivido outras tantas e nem conseguiria olhar para traz e ver o caminho já percorrido.

Me mantive firme nos momentos críticos da vida. E mais firmes ainda nos de bonança.

Não me iludo mais achando que nos momentos de calmarias ou exaltação, os perigos de me perder são menores!

Entendi que nos momentos de calmaria e prazer o risco de se perder é muitas vezes maior.

Sei que valeu muito a pena ter dobrado e guardado aquela tela junto com outras bugigangas, para hoje poder uni-la a um momento novo e renovar minha esperança na vida e na estadia do lado de cá da existência, até que a pintura da vida se complete e tenhamos que seguir para outros ateliês!

Enfim, nem sei mesmo porque escrevi este texto meio sem pés nem cabeça, mas cheios de cores e reminiscências.

Mas acho que foi para exaltar a capacidade sincrônica da vida e do sagrado, em nos mostrar através de pequenos e grandes acontecimentos, que viver aqui vale à pena.

Que lutar por um ideal e resistir às ciladas da existência nesta dimensão, compensa.

Talvez para exaltar a amizade e o valor de algo simples como uma tela, que dobrada ou emoldurada carrega em si histórias vividas e que ninguém tira de nós.

Foi por muitos motivos.

Espero que tenha achado o seu, em ler este devaneio.

Tata Ngunz'tala 61- 98124.0946 - Vivo

"Ser luz é atrair as escuridões"

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