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O Embranquecimento do Candomblé

Não estranhe se chegar a uma casa de Candomblé em pleno culto e perceber que a grande maioria das pessoas que estão na roda tem a pele branca. Em algumas casas, pessoas de peles negras são exceções.


A partir dai surge a ideia de Embranquecimento do Candomblé, que não acato pelo princípios

a seguir.


O Candomblé é brasileiro, mas suas raízes são negras, no sentido étnico da palavra. São raízes em várias etnias africanas.


Enquanto verdades divinas reveladas a vários povos africanos, e construídas de acordo com suas identidades e culturas, rebrota, como uma boa cepa transplantada, no outro lado do Atlântico, e assim nasce o Candomblé, que na verdade é plural e diverso, mantendo suas identidades étnicas e suas diversidades.


Mas sua origem, sua fé, sua cosmogonia e sua estrutura de crença são negras como negra é a pele africana em geral.


Deus É muito além da pessoalidade, que não pode ser agradado ou desagradado nem atingido por qualquer ação humana e mesmo com conceitos relativos de pessoalidade a consciência suprema está muito longe deste conceito ocidental e judaico cristão de um Deus que faz com que os humanos vivam o tempo todo com medo de não agradá-lo e

assim sofrer suas punições.


Neste particular devo confessar que muitas vezes o conceito de Deus embranquece e fica quase o mesmo culturalmente divulgado: pessoal, controlador, egoísta, exigente de adoração e punidor. Mas são as influencias culturais comuns e naturais quando da coexistência de culturas religiosas.


A sequencia do conceito divino é a manifestação divina relativizada através de divindades que ainda são consciência, e movimentam os princípios da vida no planeta, que chamamos, no Brasil de Kalundu, Nkisi, Mukisi, Orixá e Vodum, mas os nomes são o que menos interessam. O importante é a idéia de manifestação relativizada de Deus em forma de divindade (em alguns casos, o candomblé tem conceitos diferentes dos africanos, mas é lá que está a origem).


O terceiro passo é o culto e a conservação da lembrança dos ancestrais. Estes são os mais próximos das outras dimensões espirituais e de nós também, portanto, é um jeito de dizer que acreditamos na vida eterna, que não cultuamos mortos, mas acreditamos na vida em toda a sua plenitudes em dimensões diversas, mas que também não podemos viver em equilíbrio se esquecermos dos nossos ancestrais e um esquecimento ou não reconhecimento das nossas raízes ancestrais pode sim gerar desequilíbrio e infortúnios.


Todos estes ritos estão intimimamente ligados à natureza. Não que o vento deseja uma divindade, mas existe uma natureza divina que movimenta este elemento da natureza.

Não que o raio seja a divindade, mas foi neste fenômeno que uma natureza divina chegou à terra e possivelmente trouxe à vida para a água (um raio, um meteoro, etc), e assim a água passa a ser o grande ventre do planeta e fonte de todas as vidas.


A vida é plena e única em sua origem, fonte e natureza, mas as formas são diversas.


No candomblé respeitamos os mais velhos (muitas vezes nem conseguimos amá-los, mas os respeitamos) e sabemos que estamos ligados a uma raiz ancestral e a uma fé que nos move no presente sem culpa mas com consequências, e nos projetamos no mundo da eternidade como ancestrais.


- No Candomblé o som dos tambores nos trazem mensagens divinas, os pés, as mãos, o corpo são manifestações de histíorias contadas e cantadas pelos nossos Tatas Xikar’goma, Ijibidi e Alabês e huntós!


- No candomblé temos os nossos Tatas Kissaba e Babalossain que nos ensinam que cada folha tem sua função seja espiritual seja no uso medicinal tradicional, por isso respeitamos as matas e florestas, e não quebramos o tronco para possibilitar que a vida se renove e novas folhas brotem!


-No candomblé temos nossos Tatas Pokó/Kivonda e Axogun que rezam e pedem licença e respeitosamente sacralizam as vidas antes de destinar as formas (carnes) para o alimento do povo! No Candomblé temos os Tatas e Ogãs responsáveis pelas entradas e saídas, pela ordem e organização do espaço!


- No Candomblé temos nossas Makotas e Ekedjis responsáveis por nos cuidar enquanto o fenômeno da manifestação divina acontecem, seja nos ritos internos como pinturas rituais, pacificação, cuidado com a história e força sagrada do espaço, etc!


-No Candomblé temos Divindades manifestadas e humanizadas que conosco cantam e dançam e nos abençoam e nos abraçam como somos sem nos julgar, cada uma com sua natureza e cores e gestos e revivendo ritos e momentos sagrados e importante da evolução da vida na terra!


Tudo isto enraizado nas revelações divinas negras africanas!


Só no Candomblé* temos estas manifestações que não tem como embranquecer no conceito aqui pensado.


Como verdades universais o candomblé pode ser profissão de fé de qualquer pessoa, independente de sua origem étnica ou geográfica, é isso que faz do Candomblé uma religião universal, mas quem quer que seja que abrace esta fé vai se enegrecer no sentido conceitual da palavra, independente da cor da pele.


Não tem como o Candomblé se embranquecer, mesmo que todos os seus praticantes tenham peles brancas, mas suas raízes e suas estruturas teológicas e suas lógicas e visões de mundo sempre serão negras e africanas.


Embora concorde que conceitos como pecados, punições, e culpas, estes sim, baseados num sistema dual de salvação e condenação tenham contaminado o Candomblé, muito além da responsabilidade pelos seus atos e respeito pelas tradições africanas.


Mas ainda é o sangue africano, o dendê, o fogo a lenha, o bater das mãos em saudações, o corpo estendido no chão sem nenhum significado de humilhação, o tremer e o bailar do corpo na manifestação das divindades trazidas e cultuadas e mantidas pelos nossos ancestrais que fazem o coração bater ao som e ao ritmo do ngomas/atabaques.


O elemento negro do Candomblé não tem como ser tirado, senão será outro rito contemporâneo e não o candomblé pautado nas raízes tradicionais. Tenho a opinião de que, quando adotamos o Candomblé como regra de fé, somos nós que nos africanizamos, ou pelo menos assumimos nossa referencia afro-brasileira e enegrecemos na nossa visão de mundo, onde o chover, o sol, os ciclos da natureza, os ventos, os caminhos, as encruzilhadas, o ganhar, o perder, o amar e o desamar, o nascer, o viver, a dor, o prazer, o morrer e o ser eterno tomam como referencia os valores, tradições e verdades trazidas pelos nossos africanos negros, e assim enegrecemos juntos!




*Neste particular estou falando só do Candomblé, mas temos várias outras tradições que

estes elementos estão presentes e são verdadeiros e legítimos.

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